O Supremo Tribunal Federal (STF) já trabalha nos bastidores para barrar qualquer proposta de anistia geral para os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, mesmo que seja aprovada pelo Congresso. A avaliação interna da Corte e de especialistas consultados é clara: uma proposta de anistia ampla, geral e irrestrita dificilmente passaria pelo crivo dos ministros.
Há, entretanto, a possibilidade de um “acordo light”: uma versão intermediária que reduziria penas para manifestantes que participaram dos protestos, excluindo expressamente o ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa alternativa envolveria reclassificar juridicamente condutas e penas, sem extinguir todos os processos em curso.

Ministros do STF consideram que crimes contra o Estado Democrático de Direito — como os relacionados aos eventos de 8 de janeiro — não podem ser perdoados. Eles apontam decisões anteriores para sustentar essa posição. Em especial, lembram do caso do ex-deputado Daniel Silveira, beneficiado por indulto em 2022, cujo decreto foi declarado inválido pela Corte em 2023, por violar princípios como impessoalidade e moralidade e por visar proteger alguém politicamente aliado.
Outra voz de peso contra a anistia irrestrita é Celso de Mello, ex-ministro do STF, que alerta que atos de clemência — como graça, indulto e anistia — estão sujeitos ao controle judicial. Para ele, o projeto violaria a separação entre os poderes e afrontaria a Constituição ao tentar proteger pessoas que atentaram contra o Estado Democrático de Direito.

O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, por sua vez, ressalta que conceder anistia antes de julgamento é juridicamente impossível. Após condenações, porém, afirma que o tema se torna político. Ele tem dito ainda que esse debate é uma oportunidade para romper com “o ciclo de atrasos institucionais” que afetam o país.
Enquanto isso, parlamentares do PL têm defendido com veemência uma anistia ampla, geral e irrestrita — incluindo Jair Bolsonaro — como meio de “normalizar” institucionalmente o país, pacificar tensões políticas e garantir previsibilidade jurídica. Alegam que a atual situação, com processos judiciais, denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) e possibilidade de condenações, cria uma atmosfera de incerteza e divisão social que só seria resolvida com um perdão total. Por isso, para o PL, qualquer versão de anistia que não inclua todos os envolvidos nos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro — ex-presidente incluído — seria insuficiente e injusta.
Esses parlamentares argumentam também que ainda não há provas concretas e definitivas que justifiquem a exclusão de Bolsonaro da anistia. Segundo eles, muitos dos processos ainda estão em curso ou em fase de investigação, com decisões que podem ser revistas, o que torna prematuro tratar Bolsonaro como réu consumado. Nesse sentido, defendem que a Lei de Anistia deve servir como instrumento de reconciliação política — não como mecanismo de punição seletiva.
Líderes do partido sinalizam confiança de que há votos suficientes para aprovar essa versão mais ampla. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, afirmou que a oposição já mobiliza cerca de 300 deputados para aprovar uma anistia que alcance não apenas os condenados ou investigados, mas todos os implicados, inclusive o ex-presidente. Segundo ele, ajustes no texto ainda são esperados, mas a articulação política estaria suficientemente consolidada para levar o projeto adiante após os julgamentos em curso no STF.
É preocupante observar como o STF, que deveria ser guardião da Constituição de maneira imparcial, parece agir com estratégias políticas que beiram perseguição. Ao rejeitar a possibilidade de uma anistia geral inclusiva, naturalmente se exclui Bolsonaro da proposta, mesmo sem uma condenação definitiva em alguns casos. Essa postura sugere que a Corte está mais comprometida em moldar o resultado político do que em aplicar o direito de forma neutra. Afinal, quando se define desde já que “crimes contra a democracia não são perdoáveis”, sem que todos os réus tenham sido efetivamente julgados, existe o risco real de que o STF ultrapasse seu papel institucional, confundindo justiça com retaliação política. A legitimidade do Judiciário depende, em grande parte, de sua isenção — e isso inclui resistir ao impulso de considerar aliados bons e inimigos maus conforme conveniências do momento.